quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Deus tem um plano para você

- Deus tem um plano para você, ele ama a todos nós. Ele é a solução para todos os seus problemas
- É isso aí. Louvado seja Deus, a bebida e os bares!
- Não zombe de Nosso Senhor, ele te deu a vida. E não foi para você desperdiça-la dessa maneira.
- Deus nos deu a vida para cada um cuidar da sua. Cai fora beata!

Foi assim que me livrei da chata que tentava me converter na porta de um bar. Era uma terça feira a noite eu enchia a cara sozinho.
Malditos aproveitadores, aposto como ficam procurando lugares onde da para se sentir o cheiro da desgraça: bares, hospitais,funerais... Qualquer lugar onde se possa encontrar uma alma desesperada o suficiente para se apegar a uma religião. Abutres rondando carniça. O pior é que realmente acreditam na baboseira que pregam. Reino dos céus é o caralho, se é para ser recompensado quero pagamento à vista, não aceito cheque pré-datado.
Amassei o panfletinho que ela me deu, se o papel fosse mais fino eu apertava um baseado com ele, talvez a palavra de Deus desse uma onda maneira.
Sou um bêbado desgraçado, ninguém precisa me dizer isso e muito menos se apiedar de mim. Só estava ali curtindo minha desgraça, enchendo meu vazio com álcool, na paz. Não queria compaixão não queria salvação, sou ateu. Quem precisa de Deus quando se tem vodca? Louvado sejam os malditos russos.

Por tédio acabei lendo a porcaria do panfleto, não lembro bem o que dizia , alguma coisa sobre perdão e redenção, promessas de paraíso e outras baboseiras... De repente o álcool parecia não bastar. Meu vazio pedia por outra coisa... Um pouco de sexo talvez.
Vasculhei a agenda do celular a procura de alguma mulher disposta a me encontrar naquela noite. Foder e partir somente, sem firulas.
Leila, uma coroa meio caída, mas que sempre estava louca por um pau duro cheio de porra fresca, pareceu a única opção viável naquele momento. Ela era carente o suficiente para me deixar entrar na casa dela, fode-la por meia hora e ir embora sem ter que inventar desculpas, talvez até me oferecesse algo para comer, ou melhor ainda para beber.

Liguei: Caixa postal – Puta merda!

Pedi outra dose, quando vi um infeliz ainda maior do que eu do outro lado da rua, gritei por ele. Nada pode ser mais agradável para quem está na merda do que encontrar alguem que está ainda pior da que você. É como a porra de um prêmio de consolação que faz você se sentir um pouco menos ferrado.
Era um conhecido das antigas, um viciado com vocação pra corno. O cara já estava chapado, nem precisei insistir para que se sentasse, estava avido por companhia. Bebemos, conversamos... Ouvir as desgraças dele fazia as minhas parecerem menores. A merda é que os problemas dele sempre estavam relacionados a alguma mulher que lhe deu um pé na bunda e como ele sempre se apaixonava e se lascava.

Vira viado então, porra! - Pensei mas não disse.

Ele lembrou que anos atrás disputamos uma menina. Uma mulatinha de peitinhos duros e ancas largas, dormia como um anjo e fodia como o capeta. Eu nem lembrava o nome dela.
Amanda, ele me disse. Ela havia sido importante para ele. Estimulados pela bebedeira, falamos e falamos, rimos e nos perdoamos. Foi simples e sincero, uma mágoa a menos para ele. E menos uma culpa na minha vida, santo álcool

Fechou o bar e não havia mais tempo para encontrarmos outras mágoas para exorcizar, tentei implorar ao garçom uma ultima dose, mas não houve jeito. Partimos para outro bar, eramos agora dois infelizes unidos... Melhores amigos enquanto estivéssemos bêbados. Perdoar e fechar bares fazia parte da nossa desgraça.
Sentamos numa mesa alguns quarteirões adiante, um bar alegrinho demais para nosso estado de espírito, mas tinha bebida barata e ia servir. Uma menina chegou perto e pediu um cigarro.

Perguntei se ela, por caridade não podia beijar o infeliz ao meu lado. Senti que devia isso a ele.
Contei a ela umas estórias tristes da vida dele, misturando com algumas piadas, enquanto o coitado balançava na cadeira tentando manter o olhar em foco.

- Ele só precisa de um beijo, nem que seja por caridade, por amor ao próximo.

Tava no papo. A menina ria das piadas mais sem graça, que incentivadas pela bebida, brotavam da minha boca. Ela não era grandes coisas, mas dava um caldo. Meu companheiro lá virando mais um copo, sem dizer palavra alguma. Ela se aproximou dele molhando os lábios.
Foi justamente quando o pateta virou para o lado e vomitou. Que merda! Respingou meu tênis todo.

A garota saiu fora, meio enojada meio irritada.

A partida estava ganha e ele estragou tudo, desanimei. Eu Já tinha bebido o suficiente para conseguir dormir. O cansaço me fez descobrir que eu só estava bebendo para conseguir dormir.
Eu queria ir embora, mas o desgraçado queria mais. Queria mais bar, mais noite, mais desgraça. Dava para ver a sede nos olhos dele. Aquela estória com a tal Amanda havia nos unido, não se abandona um parceiro de bebedeira no meio da noite. Continuamos bebendo.
O cara tava na merda e precisava de uma mulher, ajuda-lo talvez acalmasse meu vazio. tentei convence-lo a ir à um puteiro, ele não topou... Disse que queria ir na casa de um tal de Paulo para dar porrada nele. Brigar não é muito a minha, resolvi ir dar uma mijada e pensar no assunto.

Quando voltei encontrei ele estático, paradão. Me olhou com uma cara esquisita.

- Vou embora.
- Que merda é essa de ir embora? Seu puto, você não disse que queria o fim do mundo hoje?
- Cara, tô cansando dessa merda toda, cansado de sofrer e chorar de me foder.
- Bebe mais que passa, porra.
- Não. Chega disso. Li essa parada aqui – Acenou o panfletinho evangélico, deve ter caído do meu bolso.
- Tá de sacanagem? Isso é papo furado, cara.
- Não aguento mais. Preciso mudar. Aqui tá falando tudo isso, todas as angustias, medo... Tudo vai passar, tem que passar.

Fiquei puto com aquela conversa, Queria dar um murro na cara dele. Fui para casa com a cabeça para fora do carro sentindo o vento, lutei contra a fechadura da porta e realizei meu objetivo: caí na cama com a mesma roupa e dormi profundamente.

Soube depois que ele realmente se converteu, largou o pó, casou com uma mina da igreja e tem um trabalho escroto num supermercado. Otário iludido, acho que aquela porra funcionou mesmo para ele.

Eu continuo bebendo para conseguir dormir.

3 comentários:

  1. "Não é o fato de ter muitos pecados que vai me impedir de atirar um tijolo na sua cara" foi isso que dissse depois de muito dentar cordialmente pra me livrar da Testemunha de Joavá que se plantou no portão da minha casa me impedindo de sair para visitar a minha avó.

    Se tiver uma próxima vez, pulo o cordialmente e vou logo para o "essa porra não funciona pra mim".

    beijos

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  2. estive lendo e...entre o charles bukowski e o nelson rodrigues, acho que vc prefere o 1º.

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  3. é assim mesmo, todo mundo que está 'perdido' se acha numa igreja evangélica.
    aí vc me pergunta: 'e quem não está perdido?'
    e eu [super convicta] te respondo: 'está vivendo'.
    bjs

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