segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Amanhecer

Chope gelado, cigarros e uma morena bem disposta. Sexta-feira, uma mesa de bar. Sentia-se bem o suficiente, não havia do que reclamar. Virava-se para os lados rapidamente para observar as pessoas à sua volta, então retornava para a conversa que não interessava. Trocava palavras sem pensar muito nelas, tentava concentrar-se nos olhos e não no decote, nos peitos. Tentava virar seus olhos para longe do vazio. Olhou para o céu sem lua, para os telhados dos bares em volta e desceu novamente para o rosto dela. Tragou seu cigarro, coçou os cabelos da nuca e pediu a conta.
- Vamos para outro lugar?
- Bora!
Começava mais uma a noite.

Rodaram um pouco pela cidade, caminharam pela praia, ele continuava fingindo estar interessado no que ela tinha a dizer. Ela se deixava enganar, por que simplesmente não conseguia parar de falar, E se parasse sabia que acabariam num silencio constrangedor. Foi com alívio que resolveram deixar de encenação e se atracaram. Alguns minutos depois ele abria com pressa os botões do vestido, Ela enfiava, aflita, a mão dentro da calça dele. Havia urgência naquilo, de como se não houvesse tempo a perder. Era como se matassem uma fome, ou tentassem estancar um sangramento. Era como se fosse um remédio, um placebo, para uma dor antiga. E então terminou sem deixar vestígios. Ele a deixou em sua casa, ela se despediu após se certificar de ouvir com um sorriso a promessa de telefonemas dele. É claro que trocariam telefonemas assim que a fome retornasse. Ou talvez não.
Terminava mais uma noite.

Ele chegou à lanchonete pouco antes do sol nascer, pediu uma última cerveja e o lanche de sempre. Sentou-se na varanda e acendeu um cigarro, olhando fixamente para o ponto de ônibus do outra lado da rua. Aos poucos o céu começava a clarear, ele já havia acabado de comer mas continuava como uma estátua olhando para aquele ponto de ônibus. Não sorria, não pensava na morena que acabou de deixar em casa, ou em cerveja, ou em qualquer outra coisa. Acendia um cigarro no outro, aflito, e apenas ficava ali, com os primeiros raios de sol refletindo nas fachadas envidraçadas da avenida.

E foi então que ela apareceu. Delgada e sonolenta, cruzando a rua. Seus passos eram sem vontade. Usava um casaco vermelho sobre o uniforme do trabalho, um detalhe inusitado quebrando a rotina. Ele debruçou-se na varanda e olhou, tentando conter, como sempre, as lágrimas. Lá estava ela, e eles não estavam mais juntos há muito tempo. Algumas vezes ela olhava na direção dele e desviava o olhar. Algumas vezes ele se sentia estúpido e ia embora antes que ela chegasse ao ponto de ônibus. Algumas vezes, como esta, ele apenas ficava ali.
Certa vez ele ficou quase um mês sem aparecer naquela varanda para ver aquela mulher, a quem amou feito um cachorro louco, cruzar a rua e pegar aquele ônibus.
Foi a única vez que ela ligou dizendo que tinha saudades dele. Encontraram-se e beijaram-se como nos velhos tempos, e então nada deu certo, como nos velhos tempos. Em velha e conhecida dor se separaram. Desde então ele não mais a procurou, nem ela o fez. Apenas se sentava, com a devoção de um viciado naquela varanda da lanchonete, olhava ela chegar, fingir que não o via e ir embora.
Era o pior dos vícios. Um veneno que o matava um pouco a cada nova manhã.

3 comentários:

  1. é mais ou menos [exatamente] assim...
    bjs

    ResponderExcluir
  2. Aí, que eu achei o texto lindo. Redondinho, real, visual, bem pontuadinho, se duvidar, virou meu favorito.

    Só que ontem eu vim aqui e fiquei toda: Isso é uma metáfora - "eu sou a morena disposta (autoimagem) e a mulher de vermelho só pode ser o flamengo!"

    Tá vendo como é melhor eu ficar calada quando estou com raiva?

    Amo você.

    ResponderExcluir