Ela vinha andando, acompanhada da nuvem do azar acima da cabeça, como um guarda de sol furado, por onde descem os pingos d'água. Há muito tempo se sentia assim e cada vez mais se apertava o nó do peito.
Chegou em casa, limpou as sandálias no tapete puído da porta da cozinha, repousando-as ao lado da geladeira vazia, cortou uma fatia de bolo imaginário como quem quer alegrar a fome. Quem não tem comida, se contenta só com o cheiro do tempero.
Cansaço. Sentiu-se pesada, era preciso retirar a sujeira da rua, como se limpar o corpo aliviasse a alma.
Abaixou até o balde com um caneco vermelho, vlup pra cima, glup pra baixo, banhou-se como se fosse apenas uma falta de água temporária.
Escreveu alguns rabiscos num papel que trazia da rua. Folheou um pequeno álbum de retratos desses com a paisagem mais bonita da cidade estampada na capa, como se zombasse de toda a tristeza da situação. Lembranças em cada página, em cada retângulo, um monte de janelinhas que a faziam devanear... Saudade. Solidão. Angustia.
A dor física a trazia de volta à realidade. Enxugou o olho esquerdo, dizendo a si mesma que era só um cisco.
Um cisco de 7 anos que insistia em incomodar todas as noites. O cisco que acabou com sua vida antes mesmo que a morte a alcançasse.
Fantasiou até o fim: Escovou os dentes, colocou a velha camisola e despencou para trás.
Morreu como quem dorme.
Conto Desencanto
Há 7 anos
Esses dias ouvi um sujeito dizer que quando o coração bate lento, se morre bestamente.
ResponderExcluirEste teu conto me fez lembrar a primeira vez que vim aqui e saí impressionada com tua história. Acho que esta tua marca é intensa, forte e incomum.
Mais real, impossível.
E você escreve bem prá raio, Fábio.
Abraços.
eu conheço uma história assim, triste de dar dó, ele diz q levou uma rasteira da vida, não sei se foi isso ou se foi promiscuidade de playboy que acha q tudo só acontece com os outros.
ResponderExcluirbjs
era só um cisco, e foi melhor assim.
ResponderExcluirBeijão