terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sequência

Chovia fraco, as nuvens apesar de pesadas apenas borrifavam gotículas minusculas e espaçadas. Naquela madrugada solitária e fria ele caminhava ouvindo o ritmo rápido dos seus passos na calçada. Nervoso, só pensava em chegar em casa e tomar um banho. Um Estampido, o susto, pressão na nuca. Bateu o rosto no chão.
Cheiro de chuva e morte.

Foi um único e certeiro disparo, o corpo inerte desabou no chão. Ele se aproximou para confirmar o fato. Nunca havia matado. Uma curiosidade maior do que o nervosismo o fez se aproximar do infeliz. O Sangue fluía viscoso do pescoço e se diluia lentamente com a água da chuva. Fugiu desaparecendo na noite.
Cheiro de pólvora e vingança.

O sol chega vencendo a madrugada, as nuvens se cansaram e foram chover em outro lugar. O soldado está entediado a espera do rabecão, o cadáver é apenas mais um formulário em sua rotina. Curiosos cobrem o corpo da vítima, alguem acende uma vela. Na viatura a voz metálica do rádio anuncia mais uma ocorrência.
Cheiro de café e tédio.

A família resignada, já esperava a morte, um irmão se apresenta ao policial, recebe autorização e se aproxima do morto. Ele parece tão desconfortável naquela posição sobre o concreto duro. O toque surpreende, pele está gelada. Um beijo na face. Lágrimas.
Cheiro de cigarro e tristeza.

Foi numa outra noite, essa era quente, com lua minguante e o céu estrelado. O futuro defunto se aproximou delicadamente dela repleto de cobiça. Um beijo no rosto limpo e macio. Ele falava, ela escutava. O samba já cantava cansado e a festa ia terminado, Ele pediu mais uma cerveja e beberam rápido. Seguiram pro barraco. Dessa vez ousado, beijou o pescoço da mulher.
Cheiro de álcool e traição.

A morena de corpo nu e suado encarou o teto com satisfação, deitada no peito do amante não pensava em nada. Observou apenas a fumaça densa do cigarro barato subir lentamente. Estouro. A porta foi aberta com um chute, o marido traído viu apenas a bunda preta do homem pulando a janela.
Cheiro de sexo e tragédia.

6 comentários:

  1. Fábio, tu és bom nos enredos policiais. Este texto está repleto de cheiros e eles são pistas, não? Abraços.

    P.S.
    Tua percepção no comentário lá foi certeira.
    O narrador era o Domingos, espécie de 'sujeito oculto' no mundo corporal... (risos)
    E, em meio a delírios e bandeiras, havia um observador. (com vozes em itálico).

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  2. Olá, Fábio!

    Com certeza, motivação é tudo!

    Contudo, não dispenso bom humor!

    ;)

    Obrigada pela visita!
    Abraço.

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  3. não sei qual cheiro eu prefiro... :)
    bjs

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  4. Fábio, bem pertinente sua observação lá no Impressões, mas, na verdade, não é um único conto. Pode perceber que há dois títulos. É continuação porque os dois textos fizeram parte de um mesmo contexto, de um mesmo momento. Como explicar? Os dois foram fruto da mesma explosão de coisas que estavam passando pela minha cabeça. Enfim, escrever o primeiro conto não "deu conta" de tudo... rs. Não sei se fez algum sentido. Aliás, muito raro eu tentar explicar esse tipo de coisa, mas dessa vez sua sensibilidade e, principalmente, sua sinceridade ao comentar me animaram.

    Quanto ao seu post, gostei muito, tem ritmo, prende a atenção de quem lê, tem uma construção inovadora. Sempre elas, não? Vida e morte, como sol e lua. Cada uma reinando a seu tempo, absoluta, solitária. Oscilando o comando numa alternância eterna de poder. Poder sobre nós. Mesmo que nem sempre nós nos demos conta disso. Bjs.

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  5. eu já sabia que a bunda a pular pela janela era preta.

    Cadê aquele conto com cheiro de sacanagem que você falou que seria a sua próxima postagem?

    beijos

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