Santa Maria

Seu rosto estava vestido de terror.
Haviam poucas coisas no mundo capazes de assustar aquele homem. Sujeito forte criado nas angústias da pobreza, sofreu a falta de infância, aos dez anos já era adulto de calos nas mãos. Não teve tempo nem motivos para aprender a sorrir ou chorar. Enterrou o pai com a mesma expressão que viu o primeiro filho nascer.
Não fazia amor, trepava. Não tinha emprego, trabalhava. Não comia, matava a fome.
Nem o passar do tempo, a chegada dos filhos e netos mudaram seu jeito duro, sisudo e frio de ser.

Havia Maria sua mulher, submissa e acostumada a maneira rude do marido, quase sempre indiferente em relação à ela.
Mas haviam aqueles momentos.
Os momentos em que ela ouvia a voz insegura e embargada do marido chamando seu nome. Ela já sabia o que fazer.

O rosto dele vestido pelo terror.
Ela se deparou com aquele sujeito forte e corpulento com o rosto tampado pelas mãos, olhando-a por entre os dedos suados.

- Oh Maria, essa é das grandes! Nosso senhor Jesus Cristo, tira isso logo daqui!

PLAFT.

A sandália de borracha esmagou a barata contra a cerâmica da piso do banheiro.

- Ui, matou?

Nessas horas, Maria perdoava toda a indiferença do marido, perdoava o homem que não fazia amor, que não tinha emprego e que não comia. A mulher servil e submissa respondia ao apelo do macho acuado:

-Matei.

- Acho que ainda estou vendo mexer uma perninha.

Maria está repleta de compaixão quase como a própria mãe de cristo ao ver a dor do filho no momento da crucificação. É mesmo quase uma santa quando estende a palma da mão ao marido aflito:

- Desce logo daí seu cagão!