quarta-feira, 23 de junho de 2010

Bicho Ruim

Ela travestiu-se em cobra, bicho peçonhento.
Rastejando, sentindo o ar com a língua bipartida
Uma alquimia de sentimentos, transformando mágoas, inveja e rancores num veneno perigoso.
Estava na espreita a espera da presa. Era uma serpente humana, como se estivesse enrolada sobre o próprio corpo, o bote armado. Uma forte determinação em causar dor.
Os olhos ofídicos fixos na outra.
Sorrisos e acenos, aproximação.

A presa incauta, desprevenida mas não inocente, espera com a tranquilidade dos que ignoram o perigo que vem de baixo, do chão onde rastejam as serpentes.
Mimetizadas com o ambiente se mostram apenas depois da picada. Somente aí que as vítimas as percebem, quando já é tarde, e arrependidas se perguntam por que não prestaram mais atenção. Não tomaram mais cuidado.

Assim era ela naquela noite. Aparentemente nenhum perigo, mas por baixo do sorriso o veneno pulsava ansioso por se expelido contra o alvo.
Alguém mais atento e conhecedor das coisas femininas, talvez percebesse nos olhos verdes uma pupila vertical, um sibilar estranho nas gargalhadas, o chocalhar de cascavel nas grossas pulseiras.

As duas se encontram, vítima e predadora, frente a frente, beijos estalados nas faces.
Rápida, ela ataca pela boca como todas as serpentes.
Palavras encadeadas, misturando algumas mentiras com verdades constrangedoras, tudo num tom de trivialidade muito bem dissimulada. Formando um veneno poderoso, peçonha que contamina não o sangue, mas a alma. Penetra pelos ouvidos fazendo chegar ao cérebro, estrago está feito atingido o coração. Impossível não sentir o golpe, se afastam.

Como se nada de mal tivesse feito, a fera realizada, se afasta serpenteando satisfeita, misturando-se às outras pessoas, trocando novos sorrisos e acenos, enquanto volta a ser apenas mulher, mas nem por isso menos perigosa.
Porque o bicho ruim permanece lá em meio aos seus instintos. Latente, esperando uma nova oportunidade de se manifestar.


Nota: Conto originalmente publicado em 2008 para outro blog.

10 comentários:

  1. Gostei muito.

    Mulher qdo quer, consegue ser mais fatal e venenosa que uma cobra... e mata lentamente.

    Um beijo!

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  2. Muito obrigada pelo comentário no meu blog!
    Gostei muito desse texto.. muito bem escrito e articulado! é.. mulher é um bicho estranho, por mais que se saiba lidar é difícil de prever! Beijo!

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  3. A fera realizada desliza para a sombra e e faz a digestão. Enquanto que a presa, tocada uma vez pelo veneno, sempre quer mais dessa fagia. Ótimo texto! Ótimo espaço!!!

    Abraços!

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  4. Ferir normalmente é uma arma de defesa.

    ... ou de vingança.

    Seja como for, não costuma vir sozinha, aleatória, nem ser maldade apenas.

    Adorei o texto.
    Beijo!

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  5. Tenho uma amiga que diz: mulher precisa de dois caixões e um balde. Um caixão para o corpo, outro para a língua e o balde pro veneno.

    Gostei do talento.

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  6. Verdade.Infelizmente mulher é traiçoeira e vingativa e gosta de competir.Não mede esforços para ter o que quer.
    gostei muito do texto.bjsss

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  7. Muito bom. É nesses momentos que o instinto (muitas vezes, selvagem) aflora em nós!

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  8. Já encontrou veneno melhor????rssssssssss No amor e na guerra, tudo é válido.

    beijos e obrigada pelo comentário

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  9. Fábio, excelente conto. Parabéns pelo enredo.

    abraço

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